terça-feira, 22 de março de 2011

Índios aprendem nas universidades como ser professor nas aldeias

Ministério da Educação investe na capacitação de indígenas.
Federal de Santa Catarina quer qualificar e incentivar atuação política.

Apesar das dificuldades que enfrentam na aldeia para ensinar, professores da aldeia Kuriy (Pé de Pinheiro), na cidade catarinense de Biguaçu, fazem parte de um grupo de 120 índios que começaram um curso superior na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em fevereiro. O curso, chamado licenciatura intercultural indígena do sul da mata atlântica, tem como objetivo melhorar a formação dos professores e torná-los mais ativos, principalmente nas questões ambientais e fundiárias. O vestibular teve 400 inscritos.
Esse é o 22º curso do tipo no país. Um total de 20 universidades federais oferece licenciaturas específicas para indígenas e outra está em fase de elaboração da proposta pedagógica, com cerca de 3.000 vagas no total. Pelo modelo do programa, a instituição se responsabiliza pelas aulas e o governo federal arca com os cursos com hospedagem e alimentação dos índios. O investimento por aluno a cada ano é de R$ 4 mil, de acordo com o ministério.

Escola indígena - José Benites (Foto: Fernanda Nogueira/G1) 
José Benites é cacique, professor e aluno de curso
superior (Foto: Fernanda Nogueira/G1)
A intenção do Ministério da Educação, que criou o Programa de Formação Superior e Licenciatura Indígena (Prolind), é ter todos os cerca de 12 mil professores indígenas do país formados no ensino superior em 6 anos. Atualmente, 2.000 são graduados e outros 3.000 estão em formação, de acordo com o MEC. Há ainda cerca de 6.000 índios que fazem outros cursos superiores. Na Universidade Federal de Santa Catarina, o curso tem 4 anos de duração e é ministrado em períodos alternados. Após as duas primeiras semanas intensivas de aulas em fevereiro, os índios voltaram para casa e só retornam à universidade em maio, para uma estadia de mais três semanas.

Índio Sergio Moreira, de aldeia em Biguaçu (SC) (Foto: Fernanda Nogueira/G1) 
Aluno de graduação, Sergio Moreira dá aula na aldeia
em Biguaçu (SC) (Foto: Fernanda Nogueira/G1)

O curso tem 40 alunos guaranis, 40 da etnia xokleng e 40 da etnia kaingang. Há alunos do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Espírito Santo. Nos primeiros 4 semestres, eles estudam separados. Cada grupo fala nas aulas de sua própria cultura. A partir do 5º semestre, os alunos poderão optar por seguir uma de quatro licenciaturas: infância, humanidades, com ênfase em direitos indígenas, linguagens, sobre línguas indígenas e conhecimento ambiental.
Por estarem em área de mata atlântica, os índios que fazem o curso, segundo a professora da UFSC Maria Dorothea, vivem em uma conjuntura específica, que são relacionadas às questões fundiárias e ambientais. “Tem que ter pessoas preparadas para dar aulas e fazer discussão com instituições. Avançar na efetivação dos direitos constitucionais”, diz.
De volta à aldeia Kuriy, o cacique José Benites, de 33 anos, e o professor Sergio Moreira, de 24 anos, têm “lição de casa” a fazer. Precisam pesquisar sobre mitologia guarani, escrita da língua, arqueologia e história, além entrevistas com idosos, adultos e jovens da aldeia sobre o que acham da educação.

Escola Kaakupé na aldeia Kuriy em Biguaçu (SC) (Foto: Fernanda Nogueira/G1) 
Escola Kaakupé na aldeia Kuriy em Biguaçu (SC) (Foto: Fernanda Nogueira/G1)

Benites diz estar se adaptando à vida de universitário. “É uma coisa muito nova. Eu já tinha o objetivo de chegar à universidade, mas ainda estou me adaptando. A escola, a universidade é uma coisa que não é da nossa cultura”, afirma. O cacique aponta o diálogo com professores como um benefício. “A ideia é fortalecer a cultura guarani. A gente vai dialogando com os professores que não são indígenas. Está sempre adquirindo experiência nova. Isso é muito importante. Tem algumas dificuldades no início, mas vai conseguindo superar isso. A vida é assim. Tem obstáculos”,

Uma das dificuldades apontadas pelo cacique para fazer o curso é o valor pago aos participantes pelo governo federal para se manterem na universidade. Cada índio da aldeia dele, que tem um total de quatro educadores no curso, recebeu R$ 25 para se deslocar até Florianópolis e arcar com algum custo extra durante as duas semanas de fevereiro que passaram na cidade. “É pouco. Aqui não tem condução. Meu irmão teve que nos levar e buscar. Ida e volta custa R$ 60”, afirma. Disse ainda que tinham hospedagem e alimentação, mas não tinha água. “Tivemos que comprar e é caro”, diz. Terminada a graduação, Benites já planeja a pós-graduação. “Vou terminar, fazer mestrado e me formar cada vez mais”, afirma.
Segundo o coordenador-geral da educação escolar indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação e responsável pelo programa de formação de professores indígenas, Gersem Baniwa, o MEC estuda uma forma de estabelecer valores diferenciados a serem pagos aos alunos de acordo com cada necessidade. Uma possibilidade é pagar bolsas para que cada um administre seus próprios gastos. "Há extremos com custos baixos e altos. O valor que adotamos é médio", disse Baniwa.

Professora Maria Dorothea Darella (Foto: Fernanda Nogueira/G1) 
A pesquisadora Maria Dorothea Darella é uma das
professoras do curso (Foto: Fernanda Nogueira/G1)

Sergio Moreira, que vive em Kuriy há cerca de um ano, saído de uma aldeia no município de Cacique Doble, no Rio Grande do Sul, se mostra empolgado com os estudos. “É uma boa experiência para crescer mais. Está abrindo novas portas para mim”, diz. Moreira se incomoda e ao mesmo tempo se orgulha de estar na universidade. “Viver dentro da universidade é totalmente diferente de viver aqui (na aldeia). O modo das pessoas olharem para a gente é bem diferente. As pessoas ficam surpresas de ver índio na universidade”, afirma.
Professor dos dois primeiros anos do ensino fundamental, Moreira dá aulas às crianças em guarani. Ensina como escreverem o próprio nome em português e na língua nativa, ensina as letras, palavras. “Vai abrindo a mente deles. Até o terceiro ano só tem guarani”, diz.
escola Kaakupé (Atrás da Mata, em português), que fica na aldeia de Benites e Moreira, funciona na sala de estar de uma antiga casa em que vivem três famílias indígenas. As instalações são precárias, com uma lousa, quatro carteiras, um fogão e um computador. A merenda fica estocada em um canto do espaço junto com livros e DVDs didáticos. “Não tem escola, tem aula, professores. Eles falam que tem escola. É muito difícil”, diz Benites. Uma escola de madeira custaria, no máximo, R$ 15 mil, segundo o cacique.
Índia Tamária (Foto: Fernanda Nogueira/G1) 
Tamária Mineiro fez matrícula na segunda chamada
(Foto: Fernanda Nogueira/G1)

A professora Maria Dorothea, da Federal de Santa Catarina, participou da busca pela nova “terra” para as famílias da aldeia Kuriy, mas não conhece a escola local. Segundo a docente, a graduação deverá ajudar os índios a reinvidicar seus direitos.
“O curso vai dar substrato para esses professores e lideranças. Haverá de oferecer substrato para a atuação qualificada diante de diferentes instâncias. Nesse caso, é a escola. Qualificando, a gente vai dando mais razão à consolidação dos direitos específicos, que são a terra, sustentabilidade, saúde, educação, escola”, diz. Duas técnicas da Secretaria Estadual da Educação acompanham o curso.

Índio Daniel  (Foto: Fernanda Nogueira/G1) 
Daniel de Oliveira saiu de aldeira no Rio Grande do
Sul para estudar em Santa Catarina (Foto: Fernanda
Nogueira/G1)

O professor Daniel de Oliveira, de 28 anos, é da etnia kaingang, e viajou da aldeia Alto Recreio, no município de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, para participar do curso e melhorar sua formação. Educador há 11 anos, Oliveira dá aulas para turmas do 3º ao 5º ano do ensino fundamental. Sua aldeia tem 800 famílias e cerca de 200 alunos na escola.
“É muito bom, bastante interessante”, diz. Assim como Benites, Oliveira reclama do valor recebido para passar duas semanas em Florianópolis. “Tive ajuda de R$ 150, mas tive bastante gasto para vir até aqui. Tive que abrir mão de algumas coisas, como material. Tive que pegar algumas coisas emprestadas”, afirma.
Da mesma etnia de Oliveira, Tamária Mineiro, de 23 anos, e Cassiane Rinenh Crespo, de 20 anos, saíram do setor chamado Missão Indígena, de 300 pessoas, parte da aldeia Guarita, localizada no município de Redentora, no Rio Grande do Sul. Fizeram a matrícula na segunda chamada, que teve 12 nomes, após o fim das duas primeiras semanas de aulas. “Estou muito feliz, sempre quis muita coisa, tive sonho de fazer faculdade”, diz Tamária, que é mãe solteira de uma menina de 1 ano e 6 meses e é professora da educação infantil. Cassiane ainda não atua na educação. “Quero conhecer as coisas que não conheço”, diz.

Índia Cassiane (Foto: Fernanda Nogueira/G1) 
Cassiane Rinenh Crespo quer ser professora
(Foto: Fernanda Nogueira/G1)

Nas primeiras duas semanas, segundo Maria Dorothea, os alunos mostraram vontade de atuar com mais qualidade e se disseram orgulhosos de estudarem na universidade. Em maio, quando o grupo volta à universidade terá aulas com sábios indígenas, que estarão lá para se posicionar, segundo Maria Dorothea. Com poucas desistências, a última chamada do curso ocorre em 7 de abril.







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